Injeção direta: uma faca de dois gumes [Metralhadas do Kamikaze]


Uma solução que acaba sendo bastante controversa pelas mais variadas razões, como uma dificuldade para conversões a gás natural ainda muito apreciadas por taxistas e que retomaram uma popularidade junto ao público generalista com a ascensão dos aplicativos de transporte, a injeção direta voltou a ser alvo de debates devido à ausência nas versões brasileiras do Chevrolet Onix Plus Turbo enquanto não só o similar chinês tem esse recurso como também alguns dos principais concorrentes no Brasil a exemplo do Volkswagen Virtus quando especificado o motor 1.0 TSI. Em meio às controvérsias que se originaram a partir das ocorrências de incêndios com o modelo lançado pela Chevrolet ainda no ano passado com a promessa de figurar entre os mais econômicos do país, a estratégia adotada pela Volkswagen em manter ao menos um motor naturalmente aspirado com cilindrada acima de 1.0L e a injeção sequencial nos pórticos de válvula reputada como mais simples para atender à necessidade de usuários do gás natural e conciliar um custo de produção menor tem outras implicações práticas que aparentemente não foram consideradas durante a adaptação do projeto chinês do Onix ao Brasil e por extensão aos mercados de exportação regional na América Latina.



A estratégia de motorizações da Volkswagen, que para exportação regional oferece só o 1.6 MSI de aspiração natural e injeção nos pórticos de válvula no Virtus, também fomenta questionamentos com relação às perspectivas para o Onix manter o sucesso da geração anterior em países vizinhos. Vale destacar que, além de países como Argentina e Uruguai não oferecerem vantagens tributárias como a que um motor 1.0 turbo teria no Brasil, no caso do Onix Turbo a ausência da injeção direta acaba por exigir certas precauções como o uso da gasolina Premium ao invés da comum para evitar danos ao motor em alguns destinos de exportação onde não há nem sequer a opção do etanol que poderia ser uma boa opção mas que perdeu espaço até no Brasil em meio às políticas energéticas desastrosas de governos anteriores.



O fato da tecnologia de injeção direta já ser plenamente dominada em modelos como as atuais gerações do Chevrolet Cruze hoje oferecido somente com motor turbo e da S10 cujo motor Ecotec 2.5 SIDI persiste com a aspiração natural torna ainda mais nebulosa a insistência pela injeção convencional tanto no Onix Plus quanto no hatch cuja chegada ao mercado foi mais recente e também trouxe uma versão naturalmente aspirada do mesmo motor de 3 cilindros e 1.0L que não deixou de ser oferecido também com turbo. É preciso compreender que um motor de aspiração natural apresenta um menor aquecimento da carga de ar de admissão, e portanto faz sentido que a injeção nos pórticos de válvula possa atender satisfatoriamente, enquanto num modelo dotado de turbocompressor a maior pressão de admissão incrementa a temperatura e poderia portanto requerer um enriquecimento da mistura ar/combustível para manter a correta proporção e uma temperatura mais baixa que reduziria o risco de pré-ignição. Vale destacar que foi exatamente a pré-ignição, favorecida por uma octanagem eventualmente insatisfatória da gasolina e associada à mistura pobre em condições de temperatura ambiente e pressão atmosférica elevadas e baixa umidade relativa do ar, que deu causa ao problema de ruptura de bloco de motor apontado como causa para os casos de incêndio que afetaram o Onix Plus antes de ser feita a reprogramação da injeção eletrônica que se fez necessária para contornar o problema, às custas de um inevitável aumento no consumo de combustível em regime de baixa rotação e velocidades que limitam o fluxo de ar de impacto para auxiliar na refrigeração.


Se por um lado a injeção direta se revela cada vez mais essencial para que motores turbo sejam mais aceitos pelo público generalista, por outro pode não fazer tanto sentido nos de aspiração natural como o Toyota M20A-FXS Dynamic Force cuja única aplicação no Brasil é no Lexus UX 250h apesar de ser muito semelhante ao M20A-FKS oferecido nas versões nacionais não-híbridas do Toyota Corolla na atual geração E210. Ambos os motores contam na verdade com uma injeção dupla, tanto direta quanto nos pórticos de válvula, somente a gasolina no UX enquanto no Corolla brasileiro já incorpora a tecnologia bicombustível que viabiliza também o uso do etanol.


É importante considerar ainda a alegada maior facilidade para partida a frio com a injeção direta, visto que o combustível ao ser injetado junto a uma massa de ar previamente aquecida durante a fase de compressão e a uma alta pressão tende a apresentar uma maior facilidade para vaporizar, mas não convém ignorar que independentemente do combustível em uso o intervalo de tempo disponível entre a injeção e a ignição acaba sendo mais curto, e portanto um volume de combustível menor tenderia a vaporizar mais completamente, o que acaba favorecendo a percepção de uma maior economia. No entanto, é relevante destacar que a ascensão da injeção direta tem tornado indispensável em outros países com normas de emissões mais rígidas que as hoje em vigor no Brasil o uso de filtro de material particulado, anteriormente considerado um calcanhar de Aquiles somente para os motores Diesel. Mas outro ponto digno de nota é a persistência da injeção sequencial nos pórticos de válvula em todas as versões híbridas do Corolla com a carroceria sedan a nível mundial, equipadas com o motor 2ZR-FXE e já incorporando no modelo brasileiro a especificação flex recorrendo ao pré-aquecimento nos bicos injetores para facilitar o uso do etanol em baixas temperaturas ambientes.


Considerando o aspecto ecológico frequentemente alardeado como pretexto para uma maior presença dos híbridos nos principais mercados automobilísticos, além da injeção direta não ser essencial para uma maior adequação ao uso de combustíveis alternativos como o etanol e até exigir mais precauções quando for cogitado o gás natural ou biogás/biometano, é relevante destacar ainda que a injeção nos pórticos de válvula além de permanecer com um custo menor possibilita recorrer a um sistema de pós-tratamento de gases de escape mais simples e igualmente mais acessível, tendo em vista não só as condições menos favoráveis que proporciona à formação de fuligem durante o processo de combustão mas também pelo resfriamento mais efetivo da carga de ar de admissão durante a vaporização do combustível diminuir a geração de óxidos de nitrogênio que vem sendo apontados entre os gases-estufa mais problemáticos. Porém, visando conciliar tanto a questão da economia de combustível quanto a durabilidade dos motores e segurança dos veículos independentemente de serem híbridos ou não, já é preferível que a injeção nos pórticos de válvula permaneça mais restrita aos naturalmente aspirados, enquanto para um análogo turbo seria mesmo mais interessante a injeção direta. Enfim, fica bastante claro que a injeção direta é uma faca de dois gumes...

Sobre o autor

Daniel Girald, gaúcho de Porto Alegre, mais conhecido como Kamikaze, estudante de Engenharia Mecânica com alguma experiência anterior em mecânica automotiva e de motocicletas, contribuindo no Auto REALIDADE para abordar temas técnicos escolhidos mediante sugestões de leitores, ou aleatoriamente entre as novidades mais destacadas no mercado como na estréia da coluna. Defensor ferrenho da liberação do uso de motores a diesel em veículos de qualquer espécie.

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