Dúvidas e esperanças para segurança viária em 2021 [Coluna Fernando Calmon]

O que esperar do trânsito brasileiro, em 2021, considerando que a partir de abril próximo as mudanças no Código de Trânsito Brasileiro passam a vigorar? Afinal, a frota real circulante no País é de 47 milhões de veículos leves e pesados, mais 13 milhões de motos. Temos cerca de um milhão de quilômetros de estradas federais, estaduais e municipais, das quais apenas cerca de 20% pavimentadas. Algo surreal para um país que se diz “rodoviarista”.

Para isso conversei com J. Pedro Corrêa, um dos mais respeitados consultores em programas de trânsito. Ele montou um questionário e enviou a 19 pessoas de setores diferentes ligados ao tema para sentir suas expectativas sobre este ano.

Ao analisar as respostas concluiu que há razões para se acreditar em alguns progressos, como há também no sentido contrário. A economia deve crescer e vir acompanhada de aumento de tráfego tanto nos centros urbanos quanto nas rodovias, e isto provocará aumento de acidentes. Não vê razão, porém, para pessimismo.

“É correto esperar que em algumas cidades, principalmente capitais, ocorram melhorias. Elas poderão contar com o suporte de organizações internacionais como a Iniciativa Bloomberg, a WRI, a GRSP que já mostraram seu valor. Há, ainda, o Programa Vida no Trânsito, incentivado pelo Ministério da Saúde, que tem conseguido bons resultados em algumas capitais”, comenta.

O caso de Fortaleza provocou ótimas reações e serve bem como modelo de programa municipal que pode se adotar em outras cidades. Corrêa afirma que “a capital cearense deu uma lição: fora a consultoria internacional da Bloomberg, quase tudo foi feito por lá. Um esforço local, sem depender de Brasília, confirmando a ideia de que se a cidade mostrar interesse e determinação em fazer as coisas acontecerem, elas acontecem”.

Ele também vê crescimento da mobilidade ativa, notadamente o uso de bicicletas que mostrou bom desempenho durante a pandemia e promete continuar. “Algumas cidades expandiram suas malhas cicloviárias. Já a caminhabilidade, embora em debate público, não teve o mesmo resultado obtido pelas bikes. São vários os subtemas, de soluções complexas, incluindo construção e recuperação de calçadas.”

As motos continuam a preocupar. “Fatalidades não param de crescer. O programa Motofretista Seguro, do Detran-São Paulo, parece ser a resposta mais efetiva para o problema. Regularização da CNH, capacitação e formação, facilidade na compra de itens de segurança (e da própria moto) e acesso a linhas especiais de crédito junto ao Banco do Povo Paulista foram boas respostas.”

Há ainda uma incógnita para 2021. O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito, criado pelo Denatran em 2018, até agora não decolou de vez. Corrêa mostra cautela. “Se executado com êxito, nossa agência-líder assumiria a efetiva coordenação das ações preconizadas pela ONU/OMS para a 2ª Década Mundial de Trânsito. Na 1ª Década, alcançamos 30% de uma meta de 50% de redução do número de mortes, algo até aceitável. Sinto a equipe do Denatran bem motivada, mas é preciso muito mais que isto – sem recursos adequados, não há como realizar bons programas.”

Ele aponta também uma conquista de grande importância possível para 2021. A continuação do Programa Brasileiro de Avaliação Viária, comandado pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e desenvolvido por uma organização internacional, com objetivo de recuperar a malha rodoviária federal brasileira.

“O exame de 65.000 km de rede pavimentada e a classificação por estrelas começarão em breve. O Laboratório de Transportes e Logísticas da Universidade Federal de Santa Catarina atua como Centro de Excelência do iRAP no Brasil, desde 2015. O iRAP (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Estradas) é uma organização não governamental com atuação em mais de 100 países. Classificação por estrelas e recuperação das rodovias federais é fato do maior significado para a segurança viária brasileira”.

Corrêa é um entusiasta do programa sueco Visão Zero (para mortes no trânsito). “O Governo Federal pode dar uma contribuição extraordinária, se usar adequadamente o convênio de cooperação assinado com a embaixada da Suécia. Os conceitos, desde os anos 1990, são aplicados por dezenas de outros países. Especialistas suecos poderiam desenvolver um modelo de treinamento gerencial para técnicos brasileiros na área de gestão de programas. Este é um dos principais problemas nacionais. Importante, em 2021, seria adaptar os conceitos, respeitando características e valores nossos.”

O consultor termina, afirmando: “Dá para entender porque meus entrevistados mostram dúvidas e esperanças em relação à circulação viária em 2021. São como nuvens densas cobrindo o país nesta área: podem anunciar as chuvas que faltaram este ano em várias regiões, mas que podem, ao mesmo tempo, aumentar os problemas que já tínhamos. O tempo dirá.”

Fernando Calmon (fernando@calmon.jor.br), jornalista especializado desde 1967, engenheiro, palestrante e consultor em assuntos técnicos e de mercado nas áreas automobilística e  de comunicação. Sua coluna automobilística semanal Alta Roda começou em 1º de maio de 1999. É publicada em uma rede nacional de 98 jornais, sites e revistas. É, ainda, correspondente no Brasil do site just-auto (Inglaterra).

www.fernandocalmon.com.br

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