Tempos de cautela [Alta Roda]


Parece ter chegado a hora de se conformar: mesmo que o desfecho da crise política se abrevie, será insuficiente para tirar o Brasil do atoleiro econômico de hoje. E, pior, não há certeza de quanto tempo ainda as coisas vão piorar, antes de começar a melhorar. É o que se conclui do VII Fórum da Indústria Automobilística, realizado pela Automotive Business.

De fato, e difícil de aceitar, foi a velocidade de deterioração. Entre 2012 e o final de 2016 o mercado interno de veículos terá caído 50%, ao se somar a queda de 24% deste ano em relação a 2015 projetada pela consultoria IHS. Em pesquisa eletrônica instantânea realizada entre os participantes, 55% esperam vendas inferiores 2 milhões de unidades até dezembro, o que significaria voltar aos patamares de 2007, marcha à ré de nove anos.


Como ressaltou Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, a falta de confiança e incertezas chegaram ao ponto de mesmo quem está empregado, não querer assumir dívida para trocar seu carro usado por um novo. E quando a situação começará a se reverter? Há diferentes apostas: somente em 2019 a curva de vendas de veículos voltaria a acompanhar a recuperação do PIB per capita brasileiro. Outros acreditam que talvez isso possa acontecer um ano antes.

Nos anos 1980, foram necessários 12 anos para retornar aos volumes anteriores. O tombo de 1998 exigiu nove anos. Este agora, que começou de forma evidente em 2014, pode se estender até por uma década. Quem sabe abreviado, se o país tomar as decisões econômicas e reformistas corretas.

Nesse cenário, poucos acham que um programa intervencionista como o Inovar-Auto terá continuidade depois de 2017, quando se encerra a primeira fase. Salvo, claro, a única parte realmente necessária – eficiência energética dos produtos aqui fabricados – que precisa e deve continuar. A evolução apenas do trem de força será insuficiente para cumprir metas de consumo de combustível. Terá de ocorrer uma evolução do carro inteiro.


Só que tudo isso significa investir mais e com expectativa de retorno mínimo para os desembolsos. Sem reação das vendas, essa conta não fecha. No entanto, para Letícia Costa, da consultoria Prada, chegou a hora de o Brasil pelo menos tentar se inserir nas cadeias mundiais de produção, conectividade e até certo grau de direção autônoma, mesmo em ritmo menor e limitado pela infraestrutura atual. Para essa Coluna, o governo federal tem de parar de brincar com isso. Se apenas deixar de atrapalhar, já seria um avanço.

Dentro desse quadro, a crise atinge desigualmente os fabricantes. A participação de mercado, somando volume de vendas e faturamento, confirmou a consultoria Jato, deixou as Quatro Grandes – Fiat, Ford, GM e VW – em situação de perda maior. Apesar de Honda e Toyota também terem investido em aumento de capacidade produtiva e amargarem hoje um grau de ociosidade, ambas contam com preços médios de seus produtos numa faixa de mercado um pouco menos afetada.


Fabricantes de marcas para o público de maior renda sofrem menos. O novo presidente da BMW, Helder Boavida, até admitiu estudar um sexto modelo na sua fábrica catarinense, mesmo em tempos de cautela.

RODA VIVA


MERCEDES-BENZ cumpriu seu cronograma de 13 meses para inaugurar a fábrica de automóveis em Iracemápolis (SP). Com investimento de R$ 600 milhões, a marca alemã chega depois de BMW e Audi à produção local. Vendas de veículos mais caros este ano devem recuar em ritmo bem menor do que o total da indústria. A M-B inicia com apenas um turno de trabalho.


CLASSE C, agora e GLA, no segundo semestre são os primeiros produtos da linha de montagem paulista. Só dentro de um ano os índices de nacionalização aumentarão com armação e pintura. Mas a flexibilidade da linha de produção e os baixos volumes (20.000 unidades/ano) permitirão que qualquer produto fabricado na Alemanha o seja igualmente aqui.


GOL 2017 ganhou no uso cotidiano com o motor três-cilindros de 1 litro. Além de respostas ágeis ao acelerador, o ronco é mais abafado. Mudanças de frente e traseira são pouco nítidas, mas painel, quadro de instrumentos e volante renovam bem o ambiente interno, além do prático suporte para celular. Motor de 1,6 L não mudou, mas ainda é suficiente, mesmo de projeto antigo.


PRIMEIRO automóvel com câmbio automático de 10 marchas (apenas tração traseira) será o Chevrolet Camaro ZL1, no segundo semestre. GM e Ford dividem esse investimento para diminuir consumo especialmente em SUVs e picapes pesados. Os dois fabricantes também se uniram para produzir um automático de 9 marchas (tração dianteira), que a Honda já oferece.

APESAR de publicação recente no Diário Oficial, o Cadastro Nacional de Veículos em Estoque (Renave) ainda depende de regulamentação que vai demorar 60 dias. Só depois, venda e compra de carros usados por meio de concessionárias e lojistas será simplificada com benefícios ao consumidor. Acabará a necessidade de reconhecimento de firma e haverá menos burocracia.

Fernando Calmon (fernando@calmon.jor.br), jornalista especializado desde 1967, engenheiro, palestrante e consultor em assuntos técnicos e de mercado nas áreas automobilística e de comunicação. Sua coluna automobilística semanal Alta Roda começou em 1º de maio de 1999. É publicada em uma rede nacional de 98 jornais, sites e revistas. É, ainda, correspondente no Brasil do site just-auto (Inglaterra).

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