Observações sobre a misteriosa inspiração judaica do Fusca


51 anos atrás, em 26 de julho de 1967, morria na cidade australiana de Melbourne aquele que viria a ser um dos personagens mais controversos de teorias conspiratórias sobre a origem do Fusca. Josef Ganz, engenheiro-mecânico judeu nascido em Budapeste quando o Império Austro-Húngaro ainda não havia sido dividido, gozou de algum prestígio como editor-chefe da revista automobilística alemã Motor-Kritik e como consultor independente de engenharia para fabricantes de automóveis até tornar-se alvo do racismo institucionalizado pela ditadura nacional-socialista. Dentre as polêmicas em torno de Ganz, não resta muita dúvida que a mais conhecida seja a alegação de ter delineado os parâmetros básicos do que viria a se tornar um "Volkswagen" com o projeto que originou o Standard Superior.


De fato, a semelhança estética entre o Standard Superior e o Fusca às vezes chega a ser perturbadora, bem como o uso de chassis do tipo "espinha dorsal" com suspensão independente nas 4 rodas e tração traseira por semi-eixos oscilantes em ambos os modelos, embora também convenha observar algumas diferenças nas respectivas configurações mecânicas e os progressos no campo da aerodinâmica que se revelava cada vez mais relevante a partir da década de '30. Enquanto o motor 4-tempos de 4 cilindros opostos refrigerado a ar montado no Fusca em posição traseira e longitudinal dispense apresentações e guarde semelhança com um projeto anterior de Ferdinand Porsche para uso aeronáutico, o Standard Superior recorria a um 2-tempos transversal central-traseiro bicilíndrico em linha com refrigeração líquida e a carcaça do câmbio integrada mais parecido com motores motociclísticos. O tamanho e peso menores constituem outra diferença substancial, credenciando o alegado antecessor do Fusca à competição contra as motos com side-car então largamente difundidas na Alemanha, mas cujo espaço reduzido para passageiros e/ou bagagens o tornaria possivelmente menos desejável como um veículo familiar e mais polivalente para atender tanto a usuários urbanos quanto em zonas rurais.


O uso de madeira revestida com um material sintético para fazer a carroceria, prática que já era comum em outros microcarros e alguns triciclos alemães durante o período entre-guerras devido à facilidade de implementação, certamente traria eventuais prejuízos à competitividade do Standard Superior caso o volume de produção tivesse alcançado patamares suficientes para justificar o aço estampado como viria a ser feito com o Fusca. Seria acertado até mesmo traçar um paralelo com o caso do Gurgel BR-800 SL no Brasil, cujo chassi space-frame e carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro se tornaram um empecilho diante da maior escala que os fabricantes tradicionais (já incluindo a filial local da Volkswagen àquela altura) alcançavam com os monoblocos de aço estampado. E apesar dos motivos não terem sido os mesmos é no mínimo curioso observar que João Augusto Conrado do Amaral Gurgel também sofreu um boicote institucionalizado, logo num momento em que começava a desafiar entre outros a Volkswagen justamente no segmento de carros populares.



O fato do Standard Superior ter sido lançado em 1933 e saído de linha precocemente em 1935 é outra alegação frequente entre os que defendem um reconhecimento de Josef Ganz como legítimo inventor do Fusca, tendo em vista que Ferdinand Porsche só havia sido comissionado para desenvolver o então "Volksauto" apenas em 1934. Pouco tempo depois, os nazistas acabariam usurpando a nomenclatura "Volkswagen" que já estava sendo usada em propagandas de alguns automóveis compactos e tinha uma sonoridade melhor não apenas na Alemanha mas também em mercados de exportação, apagando outro eventual vestígio de um carro popular projetado por um judeu. A perseguição dos nazistas a Ganz, que se viu obrigado a refugiar-se num primeiro momento na Suíça, também pode ter sido um pretexto para a Tatra mover uma ação judicial por suposta quebra de patente contra o engenheiro e a Standard Fahzeugfabrik que só seria resolvida em 1941 quando a história do "Fusca judaico" estava sendo aos poucos ocultada. Embora a alegação fosse infundada ao menos no caso do Standard, visto que a Tatra teria apresentado como evidência um sistema de transmissão com eixo cardan para a única roda traseira de um triciclo, ocorreu um acordo extra-judicial com a Volkswagen sob acusações semelhantes em 1967 mediante pagamento de 3 milhões de marcos alemães por outra suposta quebra de patente.

Certamente o trabalho de Josef Ganz à frente da Motor-Kritik auxiliou na difusão de tecnologias então inovadoras junto à indústria automobilística alemã, e trazendo ainda alguma visibilidade para o segmento então pouco explorado de carros populares, mas algumas teorias conspiratórias tem servido mais para denegrir Ferdinand Porsche que para efetivamente exaltar a memória de Josef Ganz. Ambos os engenheiros tinham seus méritos, embora se vissem forçados a adotar estratégias diferentes tanto em âmbito técnico quanto na articulação junto aos respectivos financiadores para alcançar um objetivo parecido. Enfim, apesar do Fusca efetivamente guardar alguma semelhança com o Standard Superior, assim como com o Tatra "Tatraplan" e até mesmo com o Chrysler Airflow, não se justificam as acusações de plágio.

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