Garagem Ford anos 1990: o Ka 1.0 98 e o Hobby 94 que voltou para casa depois de 20 anos!


Texto | Júlio Max, com informações de Eduardo Zaisov
Fotos | Eduardo Zaisov e Divulgação/Ford

Ter na garagem um carro com muitas histórias vividas já é motivo de orgulho o suficiente para qualquer entusiasta de automóveis. Dois carros cheios de memórias na mesma garagem, então, é ainda mais satisfatório. Imagine então se um destes tivesse sido o automóvel em que você aprendeu a dirigir e, vinte anos depois, fosse possível reencontra-lo e tê-lo em casa novamente? Pois é exatamente essa a história vivida por Eduardo Zaisov, que pode ser conferida no perfil do Instagram @garagemzaisov.

Primeiramente, vamos aos carros: são dois compactos populares da Ford da década de 1990 - um Escort Hobby 1.0 1994/94 e um Ka 1.0 Endura 1998. Ambos já possuem o status de neocolecionáveis (termo usado para descrever veículos ainda sem idade para ter "placa preta", mas que estão ficando cada vez mais raros, e, por isso, o valor de um exemplar conservado e original tende a subir).

O Escort Hobby tem uma enorme importância para Zaisov. Apesar de sua pouca idade na época, ele lembra de quando o carro foi comprado semi-novo em 1995, substituindo um Escort Ghia a álcool. E neste mesmo exemplar ele aprendeu a dirigir no ano de 1999, ainda menino. No ano de 2001, o Escort acabou sendo entregue na troca de um Gol Plus 16v zero-quilômetro. Mesmo assim, a saudade do Hobby ainda falava alto. Até que, em suas andanças pelo Sul do País, Eduardo encontrou o mesmíssimo exemplar que tinha sido de sua família há exatamente vinte anos. Readquiriu o carro de bate-pronto, sem pensar duas vezes.

Desde março de 2021, o Hobby 94 faz companhia a um Ka 1.0 98, que é familiar para o público do Auto REALIDADE. É a mesma unidade que contracenou com outro Ka (ano 2021) em uma sessão de fotos e foi tema de uma matéria que publicamos pouquíssimos dias antes de recebermos a notícia de que a Ford estava encerrando suas atividades produtivas no Brasil.

Antes de entrevistar Eduardo Zaisov para saber mais sobre a história de seus compactos da Ford, vamos relembrar a trajetória de ambos os modelos.

No ano de 1990, o mercado brasileiro começava a viver uma reavivamento do segmento de carros populares, com menos equipamentos, acabamento simplificado e motores menos vigorosos e mais econômicos. No governo Collor, surgiu um incentivo tributário para modelos com motor até 1000 cm³, cilindrada que era pouco usual no País até então. A única marca que conseguiu lançar um popular 1.0 de bate-pronto foi a Fiat, com seu Uno Mille, que passou a ser bastante requisitado por quem gostaria de ter um carro zerinho sem pagar tanto. A reação das demais montadoras foi tardia, mas eventualmente se concretizou. A Chevrolet lançou o Chevette Júnior, enquanto a Volkswagen apresentou o Gol 1000. E a Ford disponibilizou no mercado o Hobby, versão mais simples do Escort.


O Hobby foi lançado no Brasil junto com a então nova geração do Escort ao final de 1992, e chegou primeiro com o motor 1.6. O visual era próximo da versão L, com para-choques sem pintura, rodas de ferro com calotas "copinho" centrais e piscas laranjas. No interior, o quadro de instrumentos era o da versão L, que não tinha o conta-giros e o ajuste da iluminação das versões Ghia e XR3, nem o relógio analógico do modelo GL: o espaço era ocupado por luzes-espia. Permaneciam apenas o velocímetro e indicadores de temperatura do motor e do nível de combustível.


No último trimestre de 1993, chegou o Hobby 1.0, com motor de 50 cavalos e torque de 7,3 kgfm. Ele tinha visual externo praticamente idêntico ao do 1.6 e tinha bons índices de consumo de combustível, porém de fábrica ele vinha bem básico. Eram diversos os opcionais, entre eles o retrovisor direito, as janelas laterais basculantes, o protetor de cárter e o ajuste de inclinação para o banco do passageiro. A magra lista de equipamentos de série incluía ventilação forçada com 3 velocidades, console central e câmbio manual de 5 marchas à frente.

Diante do lançamento do Chevrolet Corsa em 1994, a Ford precisou lançar mão de atrativos para seu Hobby. O modelo foi ganhando itens como filetes vermelhos nos para-choques, limpador traseiro e calotas integrais. Além disso, o volante fino foi trocado pelo do finado XR3, menor e mais encorpado. No fim da vida, o popular passou a contar também com opções de para-choques pintados e até rodas de liga leve.

O Hobby foi produzido até março de 1996 e durou mais alguns meses nas concessionárias, saindo de cena enquanto estreava o então novo Fiesta, que passava a ser fabricado no Brasil. A Ford, que buscava se desvincular da fase da Autolatina (associação produtiva com a Volkswagen), apostou em veículos que eram novidades até mesmo no mercado automotivo internacional. E, logo depois do Fiesta, em 1996, foi lançado o Ka, em 1997. Pode-se dizer até que o Ka 1.0 Endura foi o carro que ocupou melhor o espaço deixado pelo Hobby, já que ambos eram os modelos da Ford mais acessíveis de suas épocas.


O Ka, evidentemente, era bem mais ousado que o Hobby em suas linhas externas e internas: foi lançado no Brasil poucos meses após sua avant-première mundial em 1996, com um design considerado revolucionário para a época (New Edge), enquanto o Hobby tinha o mesmo visual do Escort a partir do ano de 1987 aplicado sobre uma carroceria que foi introduzida no nosso País em 1983. Em termos aerodinâmicos, o Ka apresenta um coeficiente (Cx) de 0,38, enquanto no Hobby era de 0,43 - quanto menor o número, menor o arrasto aerodinâmico da carroceria. Concebido para ser um carro de uso majoritariamente urbano para as ruas apertadas da Europa e com espaço para apenas quatro pessoas, o Ka era significativamente menor que o Escort, possuindo 3,62 metros de comprimento (43,6 cm a menos que o Hobby) por 1,631 m de largura (o Escort era 9 milímetros mais largo). Mas a distância entre-eixos do Ka era maior (2,446 m x 2,402 m), assim como a altura (1,368 m x 1,322 m). O Hobby virava o jogo nas capacidades do porta-malas (305 x 186 litros) e do tanque de combustível (50 x 42 litros).


Apesar das muitas modernidades, a lista de equipamentos do Ka 1998 1.0 não chegava a ser muito mais recheada que a do Hobby, e incluía volante espumado, vidros verdes, calotas, banco traseiro bipartido, janelas laterais traseiras basculantes e espelho no para-sol do passageiro. Já acendedor de cigarros, aquecedor, ar-condicionado, limpador e desembaçador traseiro, rádio/toca-fitas, relógio analógico e travas e vidros elétricos eram opcionais. 

Em se tratando da motorização, é possível notar uma evolução do Hobby para o Ka em quatro anos. O motor da versão básica do Escort era o AE-1000, um propulsor que também equipou o Volkswagen Gol. Ainda com carburador, o propulsor tinha rendimento de 52 cavalos e 7,4 kgfm de torque. No Ka, o 1.0 Endura trazia injeção eletrônica monoponto de combustível, um sistema que não era tão sofisticado quando a injeção multiponto já disponível em modelos mais caros da época, mas que já evitava alguns inconvenientes da carburação e proporcionava melhor consumo de combustível. Mas a entrega de força do Endura não era muito maior, e o Ka tinha 53,5 cavalos e 7,9 kgfm de torque.


A primeira geração do Ford Ka resistiu no Brasil por precisamente dez anos. Em 1999, o compacto passou a ter o motor 1.0 Zetec RoCam de 65 cavalos, que melhorava significativamente seu desempenho. 


Já em 2001, foi reestilizado e ganhou frente e traseira redesenhadas. A segunda geração chegou em 2008 reaproveitando boa parte da estrutura já testada e aprovada da primeira fase do modelo.

Entrevista com Eduardo Zaisov


Auto REALIDADE: Sem dúvida nenhuma, um dos maiores sonhos de quem é fã de carros é ter de volta algum carro que marcou sua história. E você não apenas conseguiu isso, como também conseguiu adquirir exatamente o mesmo carro, há precisamente 20 anos. Como foi sua história com o Escort Hobby na infância, e como conseguiu encontra-lo novamente?

Eduardo Zaisov: Ter recomprado exatamente o exemplar que foi da minha mãe foi uma alegria enorme. Lembro dele em várias momentos da minha infância, como no dia que buscamos ele em uma revenda ainda semi-novo, estimo que em 1995, onde o Hobby estava do lado de um XR3 amarelo (o qual, na hora, seria minha escolha), das várias vezes que lavava ele aos sábados e quando minha mãe me ensinou dirigir nele, com 9 anos de idade. Em 2001 ele foi entregue na troca de um Gol Plus 16v 0Km, e desta data até 2019 eu nunca mais o vi. Quando revi ele em 2019, me surpreendi por ainda estar bem conservado, o que me animou a tentar ter ele de volta. Agora em 2021, depois de localizar o endereço do proprietário, consegui comprar o Hobby.


Auto REALIDADE: Quem vê este Ka todo no padrão todo original nem imagina tudo que foi feito neste carro para chegar a este resultado. O que precisou ser trocado, ajustado e adquirido para este Ka?

Eduardo Zaisov: Minha história com o Ka começou antes de comprá-lo. Como era um carro que estava na família desde 0km, fiz algumas manutenções no período em que ele não estava sendo usado. Depois que eu comprei ele, foi realizado uma boa revisão elétrica eliminando todos fios ressecados (comum na linha Ford dessa época), algumas intervenções estéticas, troca de pneus e uma revisão mecânica parcial. Em se tratando de peças e acessórios, instalei relógio, lanternas e som original. Mas o maior sofrimento foi encontrar um jogo de calotas com preço justo.


Auto REALIDADE: Depois do Hobby ter sido comprado de volta, o que precisou ser providenciado para este carro até agora? E o que ainda pretende aprimorar nele?

Eduardo Zaisov: O Escort está mais fácil de zerar que o Ka. Precisei substituir o pisca esquerdo, que consegui achar original, e comprei um manual do proprietário. Precisa ser consertado o capô, que amassou após abrir com o carro em movimento, os dois para-choques, alguns martelinhos de ouro, uma boa lavagem interna e um polimento. Falta ainda conseguir um bagagito e trocar os pneus.


Auto REALIDADE: Que dicas e cuidados você recomenda para quem estiver pensando em ter na garagem um carro mais antigo, considerando que muitas vezes a pessoa se deixa levar pelo lado emocional ao encontrar o modelo que sempre quis?

Eduardo Zaisov: Ter paciência. Mesmo o emocional falando mais alto, um carro antigo demanda tempo e dinheiro. Então esperar para achar um modelo que tenha uma boa equação estado de conservação x preço é primordial. Outra questão é pesquisar muito bem as peças para não pagar valores exorbitantes e, se possível, depender o mínimo de terceiros para fazer melhorias no carro.

Auto REALIDADE: Para finalizar, uma pergunta complicada. De qual destes dois carros você mais gosta?

Eduardo Zaisov: O Escort Hobby.

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